Esta semana fui ao dentista - aquele ser que nos deixa sempre de boca aberta. Os dentistas são detestados por todos, mas são necessários para todos, já que sem eles ficaríamos sem dentes muito mais rapidamente. Quer gostemos deles ou não, devemos pelo menos respeitá-los porque é necessário ter muito estômago para aguentarem ver, mexer e até cheirar os bafos dos seus pacientes durante uma consulta inteira, mesmo que sejam mais fétidos do que os hálitos dos dragões de Komodo. Toda a gente necessita de ir ao dentista com regularidade, quer sejam daqueles que nem escovas possuem, quer sejam daqueles que lavam os dentes após todas as refeições ou até daqueles que comem uma refeição após cada lavagem dos dentes.
Mas voltando à minha consulta... O dentista, neste caso a dentista, tal como todos os dentistas que já montaram estaleiro na minha boca, não parava de me perguntar coisas durante toda a consulta. Ora a pergunta que convém fazer neste momento é: se estou de com a boca cheia de brocas, agulhas, martelos pneumáticos e escavadoras, como é que consigo responder? Para além de ser falta de educação falar com a boca cheia, ainda posso falecer por espetar uma agulha pelo cérebro acima ou engolir um martelo que permaneça dentro da minha boca durante a intervenção. Ainda se estivesse perante perguntas de resposta simples, tipo sim ou não, às quais fosse possível responder apenas com o olhar ou com um simples polegar virado para cima ou para baixo, mas não, normalmente fazem perguntas elaboradas às quais é impossível responder sem falar, como por exemplo “Quando pretende a próxima consulta?” ou “O dente costuma doer mais com comida quente ou fria?”. E é impossível responder a isto sem dissertar um pouco de latim, a não ser que o paciente seja daqueles chatos que falam pelos cotovelos.
Outra coisa interessante das consultas é a luz forte que nos apontam para a boca e inevitavelmente também para os olhos, tal como se de um interrogatório se tratasse. Por isso é que convém ir a ao dentista numa clínica que tenha também especialistas em oftalmologia que nos possam tratar também dos olhos. Estes holofotes deixam-nos invisuais, mas pelo menos ficamos invisuais com um sorriso branco e saudável na face. O holofote que me encadeou nesta consulta em particular ainda tinha mais um problema, possuía uma pequena superfície espelhada no centro que me permitia ir observando, ainda que de forma desfocada, as obras em curso e a parafernália de maquinaria pesada em movimento dentro da minha boca. Este tipo de espelhos é perturbador para aqueles pacientes mais sensíveis, mas é também interessante para aqueles mais mórbidos, sádicos e até para pessoas com vocação para a medicina dentária, mas no meu caso como fiquei cego rapidamente, não deu para ver grande coisa.
Na consulta em questão, o meu peito foi utilizado como uma espécie de bancada de talho, onde a dentista ia colocando os cutelos, seringas e massa de juntas a seu belo prazer enquanto tratava da minha dentição. No meu caso, como tenho uns peitorais “firmes”, a dentista tinha que ir colocando as ferramentas de aço com algum cuidado para não partir nenhuma, porque aquele material ainda é caro, mas aquelas pessoas que têm mamas muito grandes, que abanam bastante e que não conseguem fazer algum equilibrismo com elas, de certeza que incomodam as dentistas (mas não os dentistas, sendo eles neste caso a ficarem com a boca aberta e a babarem-se todos se os pacientes forem do sexo feminino).
A consulta até nem correu muito mal (a prova disso é que sobrevivi para a “contar”), mas ouve lá alguns episódios dolorosos: levei duas injecções nos nervos sem anestesia, injecções essas que me provocaram dores semelhantes àquelas exemplificadas no filme “127 Horas” (atenção ao Spoiler), quando o protagonista se vê obrigado a cortar nervo a nervo como se estivesse a tocar harpa, mas a dentista pediu rapidamente desculpa e para não me doer mais, deu-me logo a seguir com um utensílio na face junto ao olho para desviar a minha atenção de umas dores para as outras. Foi tão traumático que até suei, afirmou a dentista chocada com a minha cara de sofrimento, ao que eu respondi com a descontracção possível, que até eu tinha suado um pouco também. Este acontecimento deu-me a ideia da criação de uma anestesia para administrar aos pacientes para que a aplicação das anestesias normais não causem dor. Fica a sugestão...
Se não bastasse todo este sofrimento, ainda tive de esperar uma hora na recepção no final da consulta para tentar pagar. Como sempre acontece nestes casos de incompetência, o problema foi do sistema informático que não é capaz de funcionar sozinho quando existe uma funcionária aselha a tentar teclar alguma coisa. As desculpas são sempre as mesmas “O sistema está lento”, “O sistema encravou”, “O computador está avariado e desliga-se sozinho”, “O sistema não assumiu os dados porque eu cancelei a operação e agora temos que começar tudo de novo”, etc. Eu disse funcionária, mas na realidade foi um “gajo” que me atendeu, mas que rapidamente foi reformulado para “funcionária” já que as restantes colegas eram todas mulheres, mas o que o desmascarou foi o facto de me ter perguntado que tipo de consulta tinha tido, eu respondi “Dentista” e “ele” corrigiu para “Medicina Dentária”… ah, e por ter as unhas pintadas com verniz brilhante.
O que é certo é que fiquei de boca aberta no final da consulta, já que devido à incompetência na utilização de computadores com as unhas pintadas, esta funcionária não me conseguiu emitir a nenhuma factura e como tal, não paguei nada. Tendo em conta todo o transtorno a que fui submetido, o mínimo que me poderiam ter feito era terem-me oferecido a consulta e indemnizarem-me por danos físicos e psicológicos.
A moral desta história é: “Lavem os dentes, ou escolham melhor os vossos dentistas”.