quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Os Senhores Doutores de Verão

No outro dia estivemos na Praia de Santo André e como todos o seres humanos tivemos de ir almoçar. Encontrámos lá uma tasca, entrámos e começamos a escolher da lista. A coisa começou mal já que a rapariga que nos atendeu apareceu logo com 50 tipos de entradas diferentes que nós recusamos de imediato. Mal dissemos que não queríamos nada daquilo, a menina perguntou toda admirada com tom ameaçador: “Não querem?”. O que é certo é que quase que nos batia por tal desfeita… Em primeiro lugar nós não tínhamos pedido nada daquilo, em segundo lugar nunca comemos entradas por variadíssimas razões:
  • São coisas sempre muito caras, como por exemplo cada pão custar mais de €0,50, cada azeitona mais de €10, e por aí fora;
  • Porque os pães e restantes entradas que vos deixam têm uma probabilidade bastante elevada de já terem estado noutras mesas. Digo com bastante certeza que essa probabilidade é superior a 99%, sendo que na sua maioria aconteceu no dia anterior;
  • Não comemos pão nem azeitonas à refeição, excepto quando as refeições são compostas por sandes de azeitonas.
Resolvido o conflito com as entradas, seguiu-se o pedido – uma dose de bitoque de vitela para cada um. Apesar de tudo, a coisa corria bem até que de repente e sem que nada o fizesse prever, eis que surgem vindos do nada os Srs. Doutores de Verão para nos estragarem o almoço!

Para quem não sabe o que são os Doutores de Verão, deixo aqui uma pequena explicação: São uns tesos sem dinheiro que se fazem passar por senhores doutores para se aproveitarem dos infelizes proprietários dos restaurantes das costas portuguesas. A técnica deles é a seguinte: chegam a um restaurante alvo (que nunca tenham visitado antes) num carro de gama alta (alugado para terem sempre um diferente todos os anos) a falar muito alto, pedem para falar com o proprietário e apresentam-se como Doutor de Tal, onde “de Tal” é o nome que eles adoptam para a personagem e que poderá até ser o seu nome verdadeiro. Nesse preciso momento o proprietário fica todo atrapalhado porque quer fazer boa impressão com a esperança que eles gastem uma pipa de massa, que regressem mais vezes para gastarem mais pipas de massa e para que falem bem do restaurante em causa aos seus amigos. Neste preciso momento já o proprietário caiu nas malhas deste esquema que eu baptizo de burla! Continuando a explicação do Modus Operandis, eles pedem uma mesa enquanto vão comentando que apenas querem petiscar porque não têm muita fome e não sei que mais. Sentam-se, começam a ler a ementa, ou a fingirem que sabem ler (já que alguns nem a quarta classe terminaram) e então começam a falar entre eles que vão querer pratos caros, normalmente marisco. Entretanto o cabecilha pede umas “entradazinhas” (aproveito para explicar que eles usam e abusam de palavras acabadas em “inhas” ou “inhos”, como por exemplo, “Traga aí uns camarõezinhos”). Este tipo de linguagem tem o seguinte significado: trazer muita quantidade e se possível de graça! O proprietário como quer dar graxa acaba sempre por se esmerar na travessa das entradas exagerando nas quantidades. Enquanto as travessas das entradazinhas vão sendo preparadas todos os empregados vão sendo avisados que estão uns Srs. Doutores na sala e que têm de ser bem tratados, como se as restantes pessoas pudessem ser mal tratadas… Enquanto comem as entradas como animais famintos vão dizendo ao proprietário que está tudo muito bom e pedindo mais bebidazinhas, pedem várias vezes a mesma bebida a empregados diferentes com o objectivo de confundirem a contagem das bebidas consumidas por eles e dessa forma escaparem algumas de borla. Chegando a hora de pedirem, pedem apenas uma dose (normalmente de carne) para um deles enquanto os outros dizem que não têm muita fome porque as entradas encheram muito. Chegando a dose escolhida, os outros que supostamente estavam cheios começam a olhar para a travessa a dizerem “Isto tem muito bom aspecto!” e pedem um pratinho para cada um para provarem a única dose que veio para a mesa. Desta forma comem uma dose entre todos, que normalmente são 3 ou mais burlões (Pai, Mãe e Filhos).
Terminado o banquete, pedem os cafés e um digestivo, que o proprietário, claro está, oferece como sendo “Oferta da Casa”. No final pedem a conta e comentam que gostaram muito e que vão voltar com amigos e tal. O proprietário faz a conta e soma apenas o pão, uma dose pequena de camarões, metade das bebidas, uma dose de carne, e os cafés, o resto fica tudo de borla. Normalmente a conta duma mesa de Doutores de Verão não passa dos €15. O proprietário em lugar de ter lucro tem prejuízo com as bebidas que não pagaram, com as entradas que não pagaram, com a comida que não comeram, com os clientes pagadores que perderam porque se fartaram de esperar porque todos os empregados estiveram a dar graxa aos “doutores”, etc. Costumam regressar mais duas ou três vezes ao restaurante nesse ano enquanto intercalam com outras burlas noutros restaurantes da zona. À medida que o número de visitas aumenta, a quantidade de coisas oferecidas, aumenta também…No ano seguinte, chegam com um carro diferente mas tesos como sempre para comerem de borla na mesma.

Voltando ao almoço na tasca, os Srs. Doutores de Verão que lá chegaram, eram compostos por 3 pessoas, o pai, a mãe e o filho que chegaram de Mercedes (alugado de certeza). Pediram logo para falar com o proprietário e disseram que vinham de propósito pelas amêijoas, mas acabaram por comer uns camarõezinhos, presuntinho, torradinhas com manteiga, 1 garrafinha de água de 1,5l, um fininho, duas minizinhas, uma dosezinha de bitoque de vitela para os 3 (que para nós foram fritos mas para eles foi grelhado porque o proprietário perguntou se queriam grelhado, a nós não perguntou nada), 3 cafézinhos e um digestivozinho. Pelas minhas contas pagaram pouco mais do que €15, enquanto nós pagamos quase €20 e éramos duas pessoas. Enquanto lá estivemos, faziam montes de supostos telefonemas para familiares (para nós ouvirmos) dizendo que iam fazer uma viagem de 11h e não sei que mais quando no fundo o telemóvel apenas dizia “O período de validade para continuar a realizar chamadas terminou, por favor, seu teso, recarregue o seu cartão!”. Comentavam também que tinham ido a um restaurante e que tinham gasto 300 e tal euros e que lhes tinha dado gozo (pelas minhas contas esses €300 teriam sido gastos repartidos por cerca de 20 visitas ao restaurante). Uma coisa que eu achei piada foi que pediram presuntinho ao dono do restaurante e ele foi logo a correr preparar, chegou a empregada e pediram-lhe presunto a ela também e ela disse que não tinham! Ou seja se eu tivesse pedido presunto não havia, mas para os "doutores" havia, nem que tivessem de matar um porco na hora.

Deixo aqui um apelo a todos os proprietários de restaurantes nas costas portuguesas: Tenham cuidado com os Senhores Doutores de Verão que eles andam aí em força!

A moral da história é que nunca mais volto àquele restaurante e quem fica a perder com isso é o proprietário porque perdeu clientes que até pagam a comida que comem!

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